Crónicas Matinais

[ segunda-feira, fevereiro 28, 2005 ]

 

Da Liberdade de Expressão

Há um filho da puta em França que coloca , mais uma vez, o anti-semitismo na actualidade .
É um alienado que se julga - ainda - humorista. Dá pelo ( infeliz ) nome de Dieudonné.
Reconheço que antes de ter perdido o cérebro tinha algum talento.
Durante anos fez dupla com um outro humorista francês , por acaso judeu, e tudo corria bem.
Mas, desde há uns largos meses, este atrasado mental tem feito ,declarações atrás de declarações, anti-semitas.
Sim, ele acredita que há um complot mundial judaico para dominar o mundo ; mais: ele afirma que os judeus são os responsáveis pela "introdução" da Sida em África.
Diz , a cada passo e com convicção, que os judeus contaminaram - propositadamente- os africanos com HIV. ( Pausa para respirar...)
O caso é muito grave. Não só pelo que ele diz contra os judeus, mas porque ele justifica tudo o que diz e faz com outra luta.
Ele condena e denuncia a escravatura e todos os crimes cometidos contra os negros.
E é grave porque a luta em defesa dos direitos dos negros é demasiado importante e justa para ser misturada com anti-semitismo primário.
Mas em vez de defender essa causa justa com seriedade, ele aposta o dedo, apenas e só, aos judeus.
Ele acha que os judeus , pura e simplesmente, não deviam estar vivos. E, sim, ele nega o holocausto, porque diz que tudo é empolado. A última gracinha, foi repetir que o holocausto é pura memória pornográfica.
Quem quiser mais pormenores pode fazer uma pesquisa na net para saber mais sobre este filho da puta.
Pergunto:
Como é? Dá-se-lhe tempo de antena? Defende-se a todo o custo a liberdade de expressão?
É que aqui, em França, mais do que o anti-semitismo explícito de Dieudonné, a discussão gira em torno da liberdade de expressão vs censura.
Quando ele começou , há uns meses, nos seus espectáculos, a vestir-se de rabino e a fazer a saudação nazi, muita gente se riu. Era a "liberdade de expressão" . Porque, à primeira vista, tudo é permitido aos humoristas.
Muitos lembraram, na altura, que muita gente compara Sharon a hitler e que, por isso, era apenas humor recorrente.
Mas depois, quando ele se aliou a um movimento político de extrema esquerda , neo-nazi, que nega o holocausto e insite na velha teoria do complot dos Sábios do Sião , e começou a justificar todos os males do mundo com a presença dos judeus na terra, muitos dos seus amigos começaram a ficar de pé atrás. Mas, claro, sempre a desculpá-lo porque , afinal de contas, ele é um humorista e não pode ser censurado.
Agora, a coisa é ligeiramente diferente. Todos ( pelo menos em público ) condenam as declarações anti-semitas do cidadão, mas continuam a achar que ele não pode ser censurado. Que, como artista, tem de ter espaço para se exprimir.
E é sobre isto que gostava de "ouvir" a vossa opinião. A opinião de quem me lê.
Vale tudo em nome da chamada liberdade de expressão?
[Eu, aviso já, acho que não vale. Que é preciso afastar toda e qualquer voz que, usando a faceta artística como desculpa, destila ódios raciais e ideia xenófobas, anti-semitas ou islamofóbicas. ]
Sensibiliza-me muito que os movimentos pela igualdade, especialmente os formados por africanos , se demarquem do filho da puta e o condenem sem apelo nem agravo.
Esses movimentos dizem que é muito perigoso afirmar em público- até na televisão o fez- que os judeus levaram a Sida para África de propósito. Que o objectivo dos judeus é acabar com os negros e com os muçulmanos para poderem dominar o mundo.
É isto que ele diz quando se apresenta em público. Usa o humor como desculpa para destilar ódio. Mais: ele não afirma estas coisas apenas como artista. Não.
Ele faz parte de um movimento político, que concorre a eleições. Ele próprio foi candidato,nas eleições europeias, pelo movimento de amizade França-Palestina.
Ele faz estas declarações perante dezenas de jovens ávidos de violência , cheios de ódio, em acções de "esclarecimento" frequentes. E depois, nos seus espectáculos, já como artista, repete tudo.

Como é? Deve dar-se a palavra a Dieudonné?
Respondam-se se fizerem favor. Se o assunto vos parecer importante, claro. Longe de mim fazer-vos perder tempo com fait-divers...

Ana [2/28/2005 12:30:00 da tarde]

 

Atenção: Michael Bolton está quase a chegar a Portugal! "Canta" dia 10 de Março no salão Preto e Prata do Casino do Estoril!
É bem feita. Tivessem emigrado.

Bom, estou desolada.Não pude ver a cerimónia dos óscares.E eu a.d.o.r.o. a cerimónia dos óscares.
A sério. Não me comovo nada com o que se conta sobre Guantanamo,por exemplo, mas...nos óscares...viro Madalena. E não me arrependo.
Muito choro eu, senhores!
Então quando eles recordam a avózinha e os tempos em que serviam às mesas...ai!
Liquidifico-me toda.
Estou-me nas tintas para os vestidos e jóias, o que eu gosto é dos agradecimentos.
Ainda me lembro uma vez , finais do século passado, em que chorei pra cima de 2 horas seguidas e depois não pude ir trabalhar porque parecia o pai do peixe Nemo.Toda intumescida.
Ai...mas paciência. Não vi a cerimónia mas estou muito contente com os resultados.
Porque o mundo é perfeito (ou quase) quando é o Clint Eastwood a levar os bibelots para casa...

Ana [2/28/2005 10:04:00 da manhã]

[ segunda-feira, fevereiro 21, 2005 ]

 

Então e o povo não saiu à rua porquê?

Perdi, pá. Pronto.É a vida.
Parabéns aos vencedores : o PS e o BE.
Sim, sim. Eu admito. Há mais de 360 mil almas que acreditam no pai natal e nas renas . No coelhinho da páscoa. Em gulags.
Mas o PS é duplo vencedor: maioria absoluta e não precisa dos extremistas do bloco para nada!
Apesar de tudo há algo de ternurento nestes resultados. Quando o país dança o vira , i.e., ora vira "à esquerda", ora vira "à direita" ( diz-nos a história que será, no mínimo, daqui a 4 anos ) , ficamos a conhecer pormenores - fundamentais - sobre o novo futuro Primeiro Ministro.
Esta manhã travei conhecimento ( via TSF )com alguns colegas de carteira de José Sócrates. Com vizinhos da terra natal. Enternecedor.
«Então e como é que ele era quando era mais novo?»
«Ora bem, era um rapaz calmo , mas muito amigo de brincar.»
«Era um rapaz normal.»

Fico muito mais tranquila. A sério.
Se ele era - provavelmente continua a ser - um rapaz normal, então não há que temer.
Digo mais: um homem que com esta idade ainda tem colegas de carteira que dizem bem dele só pode ser mesmo boa pessoa.
Eu, por exemplo, não arranjo ninguém que se tivesse sentado ao meu lado na carteira da escola que ainda diga bem de mim. Pior: que se lembre sequer de mim.
Enfim.

O PS é, de facto, o grande vencedor. Mas sabemos que os socialistas obtiveram a sua primeira maioria absoluta não só por mérito próprio, mas - especialmente - por demérito do adversário. É um facto. E não tem mal nenhum. Como é que se costuma dizer? Com o mal dos outros vivo eu bem. E está certo.

Não temo nenhuma verdadeira hecatombe , claro. Daqui a um mês , Sócrates vai fazer o que puder; vai dar o seu melhor. Também está certo. Justamente por isso é que sei que Portugal não vai "andar para trás". Não.
Portugal vai ficar exactamente na mesma. Tal como está agora.
Nada de mudanças drásticas ou radicais ; não vá o eleitorado sair para a rua e isso é uma chatice. O próximo que se amanhe.
Diálogo e tranquilidade. Não resolve nada, mas é uma questão de hábito.

Outra coisa : Eu sou PSD. Fico triste com a queda livre, mas sabia que seria assim. Péssimo resultado para todos. Para o partido. Para o país.
Mas o povo é que sabe e em democracia é preciso aceitar a derrota e dar o braço a torcer.
Dou o braço a torcer. Sem ambiguidades ou hipocrisias.
O que não posso é esquecer que este resultado desastoso não se deve ao PS mas ao próprio PSD. Tipos como Marcelo Rebelo de Sousa , e outros mediáticos , não me merecem qualquer respeito. Aceito a derrota sem merdas, mas nunca aceitarei traições e filhasdaputice.
Mas isso sou eu, claro.

Agora: Também acho que Santana Lopes deveria ter apresentado a sua demissão. Por uma questão de coerência. Há regras de bom senso político que se devem respeitar. Não foi o caso.
Por isso tiro daqui o meu chapéu a Paulo Portas.
Mesmo que decida , mais tarde, voltar a candidatar-se à liderança do CDS/PP , fez , na hora certa, o que se impunha. Assumiu a derrota e demitiu-se. Seriedade e bom senso merecem sempre respeito.
Paulo Portas foi, nesta noite eleitoral - para mim de má memória - um vencedor. Porque mais vale quebrar que vergar.

E pronto. Está quase tudo dito.
O PS ganhou e espero que governe, se não bem, pelo menos menos mal. E que saiba estar à altura para calar o beato Louçã . Sim, o eterno inimigo de qualquer governo, seja ele de que quadrante político for.
É tão fácil : quando se faz parte de um partidozeco de quinta categoria ( ficou em quinto, não esquecer ) a demagogia é o único caminho.Demagogia, dedinho em riste e modo de vida higiénico e com "moral".
Se Sócrates conseguir toureá-lo em termos, tem aqui na minha pessoa uma adversária amiga. Não abrirei a boca para o criticar por tudo e por nada. Farei uma oposição construtiva . QB.

E sei que com esta minha tomada de posição pública, Sócrates está muito mais aliviado! ;))

Ana [2/21/2005 11:18:00 da manhã]

[ sexta-feira, fevereiro 18, 2005 ]

 

Declaração de voto

Porque não assumir publicamente a minha escolha me parece desonesto aqui fica a minha declaração de voto:



Esperando, claro , que PPD/PSD e CDS/PP se voltem a encontrar. Para governar.

Ana [2/18/2005 11:01:00 da manhã]

[ quinta-feira, fevereiro 17, 2005 ]

 

Viva! Eles andam ; e ela também! :)

Ana [2/17/2005 04:36:00 da tarde]

[ quarta-feira, fevereiro 16, 2005 ]

 

O que é preciso é treinar o remate

Jerónimo : as melhoras! Sinceramente.
Eu não vi, nem ouvi, o debate. Mas já me informei.
E enquanto espero por uma reunião - decisiva - com as minhas chefias tenho a dizer o seguinte :
Eu sou a favor das salas de chuto!

A gente abria uma sala dessas. Metia lá dentro o Louçã. E depois chutávamos.

Ana [2/16/2005 10:13:00 da manhã]

[ terça-feira, fevereiro 15, 2005 ]

 

Muito bom este O Sinédrio! Bem-vindos à blogosfera!

Ana [2/15/2005 04:42:00 da tarde]

 

É só para dizer que não sei dizer nada sobre a Irmã Lúcia

Andei a dar uma voltinha pelos blogs e descobri -- não sem espanto! -- que Portugal está cheio de especialistas em Carmelitas Descalças. Especialmente de especialistas na vertente : Vida e Obra da Irmã Lúcia.
Nunca pensei. A sério.
Sabem tudo, tudo.
Acho que se andam a perder grandes talentos. Desde que o jornal Público inaugurou o estilo eu-é-que-sei-o-que-tu-pensas não tenho parado de me surpreender.
Descobri, por exemplo, que a velha Irmã Vidente esteve este tempo todo em Guantanamo.Sem direitos, liberdades ou garantias. Também descobri que, afinal, era uma perigosa enviada do capeta, que mudava os relatos das suas supostas visões e conversas místicas de acordo com a força do vento.Descobri também que tinha um computador e usava-o [ esta parte é mesmo verdade ].
Descobri também que quem se sentiu triste com a sua morte é um falsário interesseiro.
Porque a fé - já se sabe - é uma perigosa engenhoca fascista .

Para ser sincera a minha maior descoberta foi esta: a maioria das pessoas que escreveu sobre a Irmã Lúcia, ou , grosso modo, sobre fé, fê-lo por "obrigação".E às cegas.
Porque, dita a moda, que se deve ter uma opinião sobre tudo, ou corre-se o risco de não ter matéria para engordar o blog. A actualidade é que é o ópio do povo, pázinhos.

Eu não sei dizer nada sobre a irmã Lúcia. A não ser que era crente, devota de Maria , baixinha , usava óculos de massa preta e tinha pelos no queixo. Nunca conversei com ela ; nunca debatemos dogmas, nem da religião dela, nem da minha.Ou seja :não a conhecia de lado nenhum. Nem queria.

No entanto...o primeiro cabeça de abóbora que se atrever a gozar, ou substimar, à minha frente, a fé de quem venerava e respeitava a senhora leva na corneta.Ai leva.

Puta que pariu! Que tempo este em que todos têm a mania que são o Nuno Rogeiro...

Ana [2/15/2005 02:53:00 da tarde]

[ quinta-feira, fevereiro 10, 2005 ]

 

Gosto / Não gosto

O que eu gosto é quando uns senhores dizem :
«Pois, pois, isso dos apertos de mão entre israelitas e palestinianos é muito bonito, mas é sempre David contra Golias. Porque os palestinianos têm direito à terra que reclamam. Eles já lá estavam ; Israel é a Palestina e a Palestina é dos palestinianos.»
E depois dizem que não defendem a exterminação , o fim , do Estado de Israel...

E gosto também quando uns senhores dizem:
« Eu fui contra a guerra no Iraque; uma guerra ilegal ; foi /é uma coisa muito má ...»
E depois quando lhes perguntam :« E então as eleições iraquianas, com tanta participação? ...»
Respondem: « Sim, as eleições são uma coisa boa , democrata...»
O que já gosto menos é que , depois, ninguém explique que sem a guerra nunca aquele povo teria ? algum dia ? pintado o dedo de lilás.

Essa é que é essa.Duplamente.

Ana [2/10/2005 01:23:00 da tarde]

[ terça-feira, fevereiro 08, 2005 ]

 


Ana [2/08/2005 01:38:00 da tarde]

[ quarta-feira, fevereiro 02, 2005 ]

 

Olá!

Estive tanto tempo sem escrever no blog que, penso eu, ninguém vai levar a mal se a volta acontecer com palavras de outros.
Antes da "normalidade" a cópia. Prosa boa, gorda, para adoçar bicos.E para fazer roer de inveja quem me "deslinquou". ;)
Até já!

Homem que é homem*

Homem que é Homem não usa camiseta sem manga, a não ser pra jogar basquete. Homem que é Homem não gosta de canapés, de cebolinhas em conserva ou de qualquer outra coisa que leve menos de 30 segundos para mastigar e engolir. Homem que é Homem não come suflê. Homem que é Homem - de agora em diante chamado de HQEH - não deixa sua mulher mostrar a bunda pra ninguém, nem em baile de carnaval. HQEH não mostra a sua bunda pra ninguém. Só no vestiário, para outros homens, e assim mesmo, se olhar mais de 30 segundos dá briga.
HQEH só vai ao cinema ver filme do Franco Zeffirelli quando a mulher insiste muito, e passa todo tempo tentando ver as horas no escuro. HQEH não gosta de musical, filme com a Jill Claybourgh ou do Ingmar Bergman. Prefere filmes com o Lee Marvin e Charles Bronson. Diz que ator mesmo era o Spencer Tracy e que dos novos, tirando o Clint Eastwood, é tudo veado.
HQEH não vai mais a teatro porque também não gosta que mostrem a bunda a sua mulher. Se você quer um HQEH no momento mais baixo de sua vida, precisa vê-lo no ballet. Na saída ele diz que até o porteiro é veado e que se enxergar mais alguém de malha justa, mata.
E o HQEH tem razão. Confesse, você está com ele. Você não quer que pensem que você é um primitivo, um retrógrado e um machista, mas lá no fundo você torce pelo HQEH. Claro, não concorda com tudo o que ele diz. Quando ele conta tudo o que vai fazer com a Gretchen no dia em que a pegar, você sacode a cabeça e reflete sobre o componente de misoginia patológica inerente à jactância sexual do homem latino. Depois começa a pensar em tudo o que vai fazer com a Gretchen no dia em que a pegar... Existe um HQEH dentro de cada brasileiro, sepultado sob camadas de civilização, de falsa sofisticação, de propaganda feminina e de acomodação. Sim, de acomodação. Quantas vezes, atirado na frente de um aparelho de TV vendo a novela das 8, uma história invariavelmente de humilhação, renúncia e superação femininas escrita pela Janete Clair ou por algum veado - você não se perguntou o que estava fazendo que não dava um salto, vencia a resistência do resto da família a pontapés e procurava uma reprise do Manix em outro canal ? HQEH só vê futebol na TV. Bebendo cerveja. E nada de cebolinha em conserva ! HQEH arrota e não pede desculpas.
Se você não sabe se tem um HQEH dentro de você, faça este teste. Leia esta série de situações. Estude-as, pense, e depois decida como você reagiria em cada situação. A resposta dirá o seu coeficiente de HQEH. Se pensar muito, nem precisa responder: você não é um HQEH. HQEH não pensa muito!

Situação 1

Você está num restaurante com nome francês. O cardápio é todo escrito em francês. Só o preço está em cruzeiros. Muitos cruzeiros. Você pergunta o que significa o nome de um determinado prato ao maître . Você tem certeza que o maître está se esforçando para não rir da sua pronúncia. O maître levará mais tempo para descrever o prato do que você para comê-lo, pois o que vem é uma pasta vagamente marinha em cima de uma torrada do tamanho aproximado de uma moeda de um cruzeiro, embora custe mais de mil. Você come de um golpe só, pensando no que os operários são obrigados a comer. Com inveja. Sua acompanhante pergunta qual é o gosto e você responde que não deu tempo para saber. O prato principal vem trocado. Você tem certeza que pediu um "boeuf à quelque chose" e o que vem é uma fatia de pato sem qualquer acompanhamento. Só. Bem que você tinha notado o nome: "Canard melancolique". Você a princípio sente pena do pato pela sua solidão, mas muda de idéia quando tenta cortá-lo. Ele é um duro, pode agüentar. Quando vem a conta, você nota que cobraram pelo pato e pelo "boeuf" que não veio. Você:
a) paga assim mesmo para não dar à sua acompanhante a impressão de que se preocupa com coisas vulgares como o dinheiro, ainda mais o brasileiro;
b) chama, discretamente, o maître e indica o erro, sorrindo para dar a entender, "merde, alors", essas coisas acontecem;
c) vira a mesa, quebra uma garrafa de vinho contra a parede e, segurando o gargalo, grita: "Eu quero o gerente e é melhor ele vir sozinho!"

Situação 2

Você foi convencido pela sua mulher, namorada ou amiga - se bem que HQEH não tem "amigas", quem tem "amigas" é veado - a entrar para um curso de Sensitivação Oriental. Você reluta em vestir a malha preta, mas acaba sucumbindo. O curso é dado por um japonês, provavelmente veado. Todos sentam num círculo em volta do japonês, na posição de lótus. Menos você que, como está um pouco fora de forma, pode sentar na posição do arbusto despencado pelo vento. Durante quinze minutos todos devem fechar os olhos, juntar as pontas dos dedos e fazer "Ron", até que se integrem na Grande Corrente Universal que vem do Tibet, passa pelas cidades sagradas da Índia e do Oriente Médio e, estranhamente, bem em cima do pr~edio do japonês, antes de voltar para o Oriente. Uma vez atingido este estágio, todos devem virar para a pessoa ao seu lado e estudar seu rosto com a ponta dos dedos, não se surpreendendo se o japonês chegar por trás e puxar suas orelhas com força para lembrá-los da dualidade de todas as coisas. Durante o "Ron" você faz força, mas não consegue se integrar na grande corrente universal, embora comece a sentir uma sensação diferente que depois revela-se ser câimbra. Você:
a) finge que atingiu a integração para não estragar a onda de ninguém;
b) finge que não entendeu bem as instruções, engatinha, fazendo "Ron", até o lado daquela grande loura, e na hora de tocar o seu rosto erra o alvo e agarra os seus seios, recusando-se a soltá-los mesmo que o japonês quase arranque as suas orelhas;
c) diz que não sentiu nada, que não vai seguir adiante com aquela bobagem, ainda mais de malha preta, e que é tudo coisa de veado.

Situação 3

Você está numa reunião social em que só se discute a polêmica José Guilherme Merquior x Eduardo Mascarenhas. É uma daquelas reuniões em que há lugares de sobra para sentar mas todo mundo senta no chão. Você não quis ser diferente, se atirou num almofadão colorido e tarde demais descobriu que era a dona da casa. Sua mulher ou namorada está tendo uma conversa confidencial, de mãos dadas, com uma moça que é a cara do Charlton Heston, só que de bigode. O jantar é à americana e você não tem mais um joelho para colocar seu copo de vinho enquanto usa os outros dois para equilibrar o prato e cortar o pedaço de pato, provavelmente o mesmo do restaurante francês, só que algumas semanas mais velho. Aí o cabeleireiro de cabelo mechado, ao seu lado, oferece:
- Se quiser usar o meu...
- O seu...?
- Joelho.
- Ah...
- Ele está desocupado.
- Mas eu não o conheço.
- Eu apresento. Este é o meu joelho.
- Não. Eu digo, você...
- Eu, hein ? Quanta formalidade. Aposto que se eu estivesse oferecendo a perna você ia pedir referências. Ti-au. Você:
a) resolve entrar no espírito da festa e começa a tirar as calças;
b) leva seu copo de vinho para um canto e fica, entre divertido e irônico, observando aquele curioso painel humano e organizando um pensamento sobre estas sociedades tropicais, que passam da barbárie para a decadência sem a etapa intermediária da civilização;
c) pega sua mulher ou namorada e dá o fora, não sem antes derrubar o Charlton Heston com um soco.

Se você escolheu a resposta a para todas as situações, não é um HQEH. Se escolheu a resposta b, não é um HQEH. E se escolheu a resposta c, também não é um HQEH. Um HQEH não responde a testes. Um HQEH acha que teste é coisa de veado.

*Luís Fernando Veríssimo

Ana [2/02/2005 11:22:00 da manhã]